Monday, May 08, 2006

D. Sebastião

Li um artigo no “ Público” sobre o D. Sebastião. E li-o com imensa vontade de rir. O fim de D. Sebastião foi demasiado trágico para dar vontade de rir. Mas este rei leva-me não só até Alcácer-Quibir que nem sei bem onde fica e até àqueles tempos de 1578 e às aulas de História da 4ª classe e às do Liceu (com aquela listinha de pretendentes ao trono que acabava por caber a um terrível Filipe vindo lá de Castela que parecia o fim do mundo e, afinal, o homem tinha todo o direito do mundo , mas não era isso que nos ensinavam) mas também à minha – dos tempos da Faculdade - amiga L. da Tocha. Amiga com quem partilhei casa, ou antes, ela é que partilhou a nossa , com quem estudei horas sem fim para os exames nas ruazinhas do Jardim Botânico, em Coimbra (Coimbra do Choupal ainda és capital…) , a quem perguntava as datas todas daquelas peripécias históricas que ela me relatava, com quem aprendi quase de cor os livros de História da Cultura Portuguesa , de tal maneira que , depois da frequência, fomos chamadas ao gabinete do Professor que ele pensava que tínhamos copiado…pelo livro e não uma pela outra… ( tínhamos pela casa frases completas e complexas daqueles pensadores que metemos na cabeça até hoje nem sei como) . Acompanhei-a na despedida do namorado (que havia de ser seu marido por um tal dia vinte e quatro de Dezembro e ainda hoje é) na Estação Velha e que , por esses tempos, partia para a Guiné. Ela ajudou-me a escolher o tecido para um casaco comprido , o primeiro que comprei com o meu próprio dinheiro, quando comecei a trabalhar… E tantas outras recordações vão desfilando no fio da memória… Conclusão: durante aqueles anos éramos quase inseparáveis e entendíamo-nos às mil maravilhas… Até que… ( claro que não foi este episódio que nos separou, a nossa vida é que tomou outros rumos , mas…) … até que… apareceu o D. Sebastião… dizendo melhor: ele não apareceu; ao que se sabe , ele foi para Alcácer-Quibir e nunca mais voltou. Mas, naquele dia, apareceu entre nós, meteu-se na nossa amizade, houve discussão e amuos… E a mim só me dá e só me deu vontade de rir: ela lá estava, com a sua inseparável lima a tratar das suas unhas, e pediu-me para lhe perguntar, como tantas vezes: “ Vê lá se eu já sei isto ( eu disse-lhe muitas vezes que também havia de ir fazer as frequências com ela , acabava por tirar dois cursos de uma vez…) “ e “isto” era aquela tragédia do D. Sebastião e ela a contar, a contar , a contar e eu a ler nos apontamentos que ela estava a dizer tudo certinho e eu a “ver” aquele jovem com a “flor” da nobreza e mais todos os outros a tombarem a eito naquela terra longínqua e a ver a ameaça dos Filipes e a perda independência … e não me contive: “o D. Sebastião era louco!” Eu não sei o que ela agora pensa do assunto, mas sei que, afinal, mesmo entre os estudiosos deste rei, uns acham que ele foi um herói, outros acham que ele foi um louco, embora eu perceba, neste tempo que nem tudo é preto ou branco, há sempre umas nuances, uns matizes, umas pressões de muitos lados e ele era novo e tal, e, quando uma pessoa é jovem comete muitas loucuras, embora não sejam tão radicais como as de Alcácer-Quibir, acho eu, mas , enfim , a minha opinião era legítima e , embora a ideia da liberdade de expressão ainda não estivesse afinada ( estava quase quase quase!!! ) , eu tinha todo o direito de ter aquela opinião. E eu, sinceramente… aquilo era só um comentário, tão simples, assim, de passagem , para aliviar aquela monotonia de estar a ouvir os seus esquemas e as suas anotações ditas em forma de texto oral, para despejar na frequência, achei que nem sequer ia merecer uma interrupção daquelas! uma interrupção? Uma excomunhão, ela ia-me excomungando … não sei de onde , talvez da História, do quarto, da casa, da vida dela possivelmente. Uma igorante era o que eu era, um rei assim com uma visão tão extraordinária ( tão extraordinária que ficou para lá morto! – bradava eu , depois de ter sido apanhada de surpresa por aquela enxurrada de epítetos, todos sinónimos de ignorante) , que queria expandir Portugal e porque assim e porque deixa e porque também. Então , achei aquilo ridículo : o reizinho, tão novo, tão enfeitadinho naquelas roupas do retrato , que nunca mais voltou da sua heróica façanha ( eu até gostava do retrato, ele até se cognominava “ O Desejado”, o que é muito bonito e achava um desperdício aquela morte e as outras tão estupidamente e até gostava das lendas, do mistério , as manhãs de nevoeiro) e nós ali a discutir como umas tontas … desatei a rir às gargalhadas , e ainda hoje , o D. Sebastião me dá vontade de rir, porque penso logo nele, neste episódio. Ela é que não achou piada nenhuma, expulsou-me do quarto ou eu é que me pus a andar, porque não tenho grande habilidade para discutir durante muito tempo… Durante uns dias, fui dispensada de lhe fazer perguntas sobre a matéria que ela continuava a estudar afincadamente.
Depois, voltou tudo ao normal: amigas como dantes.
Nunca mais se falou do D. Sebastião.

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