Wednesday, April 25, 2007

25 de Abril de 1974


Naquela manhã, pelas oito horas, a Alice L. que esperava boleia na Praça da República, em frente aos Correios, em Coimbra, atirou-se para dentro do Citroen verde-garrafa da Rosália e, numa aflição, lançou-nos a exclamação/pergunta abafada: “ Já sabem da guerra!?” Ainda meio ensonadas, a questão deixou-nos atarantadas e a Rosália, agarrada à mudança de mão, ficou interdita uns segundos, a tentar perceber o que ouvira. Não sabíamos de guerra nenhuma, não tínhamos ouvido nada e não conseguíamos entender. À nossa volta , em todos os sentidos, a vida decorria normalmente. Então, decisão tomada de avançar para Anadia, atentas à estrada, nada de estranho se encontrou pelo caminho e já achávamos que a nossa colega tinha tido algum pesadelo ou não estava boa da cabeça, quando avistámos, à entrada da Escola, os alunos, amontoados à volta do automóvel de um Professor, ouviam rádio em silêncio, um rádio que não dava notícias, apenas música marcial. Tinha havido – informavam – um golpe de estado, não se sabia de que lado era, como se alguém fosse entendido em lados daqueles. Arrastámo-nos todos para as aulas com um peso e, ainda hoje, não percebo por que razão em Lisboa andou tudo na rua sem aulas nem nada, só manifs e nós estivemos na Escola a trabalhar normalmente… normalmente é como quem diz. O Director não apareceu, porque lhe deu um ataque cardíaco e teve que ser internado e, por pouco, nos livrámos de ter o MFA a tomar conta da Escola , mas, como gente inteligente, formámos a nossa Junta de Salvação particular e lá tivemos os nossos colegas – futura Comissão Executiva a tomar as rédeas e houve uma reunião e tivemos que ir a Águeda entregar a acta , não sei para quê e eu fui a secretária dessa acta e já nem sei por que motivo se realizou essa reunião… E ainda me lembro do Nuno, um rapaz de doze anos a chorar que nem uma Madalena, que não havia direito de terem humilhado o Marcelo Caetano daquela maneira e achei extraordinário que uma criança chorasse assim por essa razão e o Américo Tomás tinha vindo no início do ano inaugurar a Escola novinha em folha … mas os dia foram decorrendo normalmente… ou não, porque todas aquelas situações eram novas, mas nós também tínhamos acabado de sair da Universidade e tudo era novo para nós e éramos umas crianças muito novas para apreender aquilo tudo de repente… Não sei, depois foi a festa do 1º de Maio e depois aquelas reuniões pela noite dentro e depois aquelas filas interminavelmente pacientes das eleições, e penso que se respirava melhor… é isso, lembro-me que se respirava melhor…
E, quando se alude ao 25 de Abril, eu lembro-me dos cravos , mas isso veio depois, porque sempre e em qualquer momento, como um reflexo imediato, em primeiro lugar, vejo a Alice entrar no carro da Rosália , tudo o mais entrou na normalidade das nossas vidas.
Em ano e meio, essas mesmas vidas, até aí unidas por mil razões, seguiram cada uma seu rumo!

8 comments:

Jorge P. Guedes said...

Pois eu saí de casa, de manhã, para a Faculdade.
Como habitualmente só no carruncho liguei a rádio. Houvera uma Revolução!
Porreiro, pensei eu!

Chegado à Faculdade, uma colega, muito aflita e amedrontada, perguntou-me:
- Já sabes?
Eu, que na época tinha a mania que era fleumático, disse-lhe:
- Sim. Houve uma Revolução e o Marcelo caiu. Não há aulas?
E perante a sua negativa, ofereci-me para a conduzir a casa.

Tudo bem, numa boa!...

Belos tempos esses de inconsistência política!

Aprendi, porém, rapidamente!
No ano seguinte, estava como membro do C.D. de Letras a protestar com um ministro da Educação qualquer ao qual o MFA tinha incumbido a missão de ser ministro!... Coitado do homem!

Um abraço

VIVA A LIBERDADE!

Papoila said...

Renda:
Pois eu estava em Lourenço Marques.
Sabes tudo em A Papoila!
Gostei de ler as tuas recordações. É verdade que a minha tia que estava em Aveiro confirma que as aulas decorreram normalmente.
Beijo

Papoila said...

VIVA o 25 de ABRIL!
Um cravo para ti!

Anonymous said...

Pois é, cara Amiga, amargo sim.
Porque as pessoas ainda não entenderam que a liberdade não nos é dada pelas Revolução, mas pela vontade de dentro de nós. E enquanto acharem que a liberdade nos é oferecida por um grupo de indivíduos ou por meia dúzia de escritos numa folha de papel...não iremos longe enquanto Homens e enquanto Matéria.
Um abraço e já nem a cumprimento ("evidência tão evidente!") por esta «matéria» que produz e reproduz aqui.

Alda Serras said...

A revolução, parece-me, foi vivida com mais intensidade em Lisboa. No resto do país (principalmente nas aldeias) ouviu-se qualquer coisa na rádio e a vida continuou normalmente. Escusado será dizer que não tenho qualquer recordação (própria) desse dia.

(Obrigada pela informação sobre o dia da rosa e do livro.)

Anonymous said...

A percepção do que se passou nesse dia foi, para mim, bastante mais rápida.

A ESBAP [Porto] havia sido invadida e fechada pela Polícia cerca de uma semana antes e, por isso, estávamos sem aulas.

Alertada logo de manhã pelo dono da casa onde estava hospedada, mal havia chegado à Av. dos Aliados, tive o 'privilégio' de assistir a uma carga tremenda dos Comandos de Lamego, que estavam junto do edifício da Câmara, à coronhada com as G3, sobre uma força da Polícia que tinha tido a infeliz ideia de os provocar desde o fundo da Avenida, e que acabou com uma patética e atabalhoada fuga para o interior da estação de São Bento onde ficaram a lamber as feridas, que em alguns deles sangravam a bom sangrar.

Nunca mais esqueci a quantidade de porrada que aqueles desgraçados polícias levaram.

Quando pouco depois passei pela Escola, já as portas estavam de novo abertas.


Um Xi da Porca

zef said...

Chego aqui atrasadíssimo...mas tenho de falar...
Naquilo dia não dei aulas, nem a primeira, a das oito e meia...
Passei o dia todo em casa de casal amigo, a rir e a chorar, a rir e a chorar, a rir e a chorar...Bebemos o melhor vinho que tínhamos.
O amigo tinha saído há poucos dias de Peniche...
Abraços

Madalena said...

Olá! Eu cá estava muito sossegadinha no meu nascimento de feto. Tive conhecimento dessa revolução e não percebi nada, afinal, eu estava no meu nascimento de feto. Depois, em 21 de Junho de 1997, às 18:30, precisamente no fim da Primavera e no início do Verão, acordei depois de 9 meses a deixar de ser feto e a passar a ser criança. Nasci e agora, em 2007, ouço com mais pormenores a história do 25 de Abril de 1974. Interessante, ah?

Beijinhos