Sunday, October 08, 2006

O "Público", Vasco Pulido Valente e a Educação

Estou a ficar cansada, mesmo muito cansada de me explicar, de explicar a toda a gente que o trabalho de um Professor não é igual a nenhum outro. Estou a ficar cansada, mesmo muito cansada de explicar aos alunos que um Professor não chega à sala e, por artes mágicas plim! e inspiração do momento, tudo parece encaixar-se minuto a minuto nos noventa minutos de aula. Muitos acabam por perceber. Estou cansada de explicar, mesmo muito cansada de explicar a alguns Pais que exijo muito trabalho aos filhos, porque eu também trabalho muito, porque eu também trabalho imenso. Estou cansada de explicar a toda a gente que não trabalho das nove às cinco apenas. Este trabalho nunca nos sai da cabeça, porque há um problema para resolver e dá-se voltas e mais voltas até achar uma solução, há material a procurar, a elaborar, fichas informativas, textos , fichas formativas, fichas de avaliação, mais uma ficha, que a aluna x ainda se baralha toda com a pronúncia de uma série de letras no 2º ciclo, fichas de leitura, mais a correcção das fichas, outra ficha para o y que tem dúvidas nos graus dos adjectivos e mais umas tantas fichas para as aulas de apoio ... E isto para um universo de 28 alunos sem necessidades educativas especiais, porque, se a turma for de 20 alunos , a acrescer a isto tudo ainda há fichas individuais para alunos com problemas de aprendizagem. Ainda vou ter que me encher de paciência no início de cada aula, a chamar a atenção de um que repete a graça de entrar com boné na sala, habituado que está a impor pelo cansaço dos Pais e outros a sua vontade ( isto é verdade, porque já alguns alunos ao longo dos tempos mo confessaram) , exigir silêncio e tranquilidade para o tempo, que é precioso, ser bem aproveitado em prol de todos e por aí fora… Mas isto (e tudo o mais que fica no tinteiro por explanar, porque realmente eu estou muito , muito cansada de explicar tudo outra vez tim-tim por tim-tim!!!) para a maior parte dos cidadãos portugueses é coisa de somenos importância, porque importante , verdadeiramente importante, é que os filhos de todos ficam na Escola das tantas às tantas e os Professores que se amanhem que é para isso que lhes pagam e ainda por cima são os mais bem pagos da Europa ( o que a RTP e “Público” se apressam a divulgar !!!!! sem verificar a veracidade das afirmações, basta alguém do Governo ou outros por ele afirmarem tais absurdos) e não fazem nada!!! Sobre este assunto escreveu no “Público” de hoje ( 08/10/2006) na secção Cartas ao Director, Maria Porto sob o título “Sobreviver”. Logo a seguir, insurge-se Joaquim Santos, na mesma secção , contra as “queixinhas e lamentos” ( título da sua carta ) dos Professores. Nesta carta se fica a saber que apenas trabalham e produzem os trabalhadores do sector privado. Deve ser por isso que o País está como está, também se deve aos sector privado… Gostava de saber se o sr. Joaquim Santos andou a estudar , se o que aprendeu na Escola não lhe serviu para nada , se é um self made man, se tem filhos , se agarrou nos filhos e os mandou estudar para a Finlândia , já que o ensino em Portugal está tão mal e os Professores são todos tão maus… Também gostava de saber se o seu patrão passa a vida a chamar-lhe incompetente e se ele fica contente com essa atitude… O seu patrão desconta-lhe a pausa para o café, as idas à casa de banho… o tempo em que vai à reprografia, ou requisitar qualquer material de que precisa? É que nós procedemos a essas diligências nos intervalos em que nós estamos na Escola e não conta como tempo de permanência na Escola. Até os benditos 5 minutos que foram retirados a cada 50 minutos de duração de uma aula , agora são todos juntinhos para aulas de apoio. Como se tivéssemos culpa de, em vez dos 50+ 50 m , ter alguém resolvido que , afinal deviam ser 45 m.
Estou cansada, como dizia , muito cansada de me explicar, de não sentir o respeito que creio merecer; estou cansada , muito cansada de me aperceber que o meu patrão tem pouca consideração por mim, de me usar para virar todos contra mim, em nome de um défice ou de um programa ou … nem sei de quê, porque não compreendo esta campanha, este ataque contínuo, esta arrogância.
Porque não se pergunta ( ler com atenção o artigo de Rui Tavares “ Não façam só alguma coisa, fiquem parados” in “ Público”, de 07/10/2006) se realmente está tudo mal, os Professores fizeram tudo mal, nenhum fez nada bem em trinta e tal anos, nada se aproveita, se há bons trabalhadores no sector privado ( e nem só, atrevo-me eu a dizer!!!) , andaram em que escolas, com que professores, nada se aproveita, nada???

E estava eu a ler o “Público” e já a pensar que vou deixar comprar este jornal: está como a RTP…quando chego à última página e fiquei estupefacta!

Diz Vasco Pulido Valente e transcrevo : « Vinte mil professores com o apoio de 14 organizações sindicais fizeram quinta-feira a maior manifestação de sempre contra um ministro de educação, neste caso, a ministra Maria de Lurdes Rodrigues, que não há muito passava por uma das luzes do Governo e que de repente se transformou em “ditadora”, “autista” e “mentirosa”.

Apenas pergunto:
Uma manifestação, a maior manifestação de sempre, e só ocorre a este senhor expor as suas críticas aos Professores? Nem uma reflexão? Estamos assim tão longe do 25 de Abril? Por bem menos , caem ministros e governos, mas isso só noutros países mais evoluídos, em que os governantes dão conta dos seus actos aos governados.
Uma manifestação, a maior de sempre, tem alguma importância?

Quando é que este senhor viu os Professores considerarem esta Sra. Ministra uma das luzes do Governo? Viu essa luz nas palavras do próprio Governo? O senhor deve estar muito confuso!


Acrescenta Vasco Pulido Valente:
“Motivo? A reforma da carreira docente. De maneira geral, os professores não têm razão. Um exemplo: ao contrário do que eles pensam ou fingem que pensam, um curso superior não garante hoje ( se alguma vez garantiu) qualquer proficiência em matéria alguma. Uma avaliação posterior é mais do que justificada, como aliás se exige em Portugal e fora de Portugal em muitas profissões, como a dvocacia ou a medicina. Outro exemplo: o “ano à experiência”, uma espécie de estágio, mede uma capacidade específica, a de ensinar, que não coincide forçosa ou frequentemente com a competência académica. Não seria útil e sensato acabar com ele.” E o artigo segue.

Eu fico por aqui para dizer que uma pessoa, quando escreve sobre um determinado assunto, deve saber sobre o que escreve, nenhum curso superior lhe dá o direito de falar do que não conhece.

Reflexão:
Então não será melhor acabar com o ensino Superior, se não prepara para nada?
Eu faço uma Licenciatura em Filologia Românica e este douto senhor vem agora dizer-me que, nestes trinta e três anos de Professora de Português e Francês, esse curso não me garante nada relativo àquilo que tenho que ensinar?
Então o estágio de um ano ( neste caso – 2º ciclo- tive a meu cargo três turmas, uma de português , duas de francês sob supervisão de duas orientadoras) por vezes dois, e actualmente integrado nos cursos , com turmas distribuídas nos primeiros casos, com alunos, não serve para se confirmar (ou não) a competência para ensinar? Quem quer acabar com o estágio? Onde obteve o senhor informações sobre este assunto? O senhor pensa que os Professores são Professores sem mais nem menos, com um toque de varinha mágica? E as formações que têm feito ao longo da vida profissional? Também não serviram para nada? E a formação diária individual? E a avaliação a que estamos sujeitos todos os dias, por Alunos e Pais? Mas este tema dava pano para mangas e eu não me vou alongar mais. Muito fica por dizer.
Amanhã tenho que ir mais um dia para a Escola, pelo trigésimo quarto ano consecutivo, sabendo que, além de mostrar que sei do que estou a falar, quando ensino, tenho que criar uma corrente de empatia com os meus alunos para estarem motivados, ( que não se aprende em curso nenhum nem ninguém nos ensinou nunca*) , moderar o tom de voz para não a perder ( também nunca ninguém me ensinou a colocar a voz*) , tenho que lutar de cabeça bem levantada, com orgulho no que sou e faço , sem sentir vergonha de ser Professora, tenho que lutar contra toda uma sociedade que não valoriza os Professores do seu país, porque um Governo, uma Senhora Ministra e seus Secretários de Estado não valorizam os trabalhadores que tutelam…
E se estes Senhores não os valorizam…

* Não se aprende fazendo um exame, penso eu!

No comments: