Saturday, December 16, 2006

Quarto com janela

Enquanto acendo a lareira, estás tu sentada num parque a apanhar uns raios de sol outonais a um dia de distância e a pensar no rumo da nova fase da tua vida. A tua voz soa alegre, descontraída, tranquila. Até já dormiste as últimas noites, muito cansada, mas calma. Até aqui, andavas com um aperto à entrada do estômago e o estômago num punho. Subia-te até à garganta um nó indizível. Cortaram-nos há muito tempo um cordão que nos unia, mas continua a ligar-nos uma força misteriosa e eu sabia dessa angústia que a minha impotência não afastava de ti a não ser por palavras. Encolhiam-se-me as paredes do estômago e apertava-se-me a garganta, escapulia-se até aos olhos um ligeiro ardor de lágrimas. Mas sabia, porque me ensinaste a serenidade e eu te espicacei a lutar pelo teu querer e pelos teus sonhos, que afastarias as sombras, respirarias fundo, levantarias a cabeça e sairias à procura. Doíam-te as pernas e a coluna de tanto calcorrear as ruas de uma cidade que te atrai, de entrar e sair das estações do metro, de falar com gente-cidadã do mundo, de procurar, procurar, procurar. Sozinha. Fechava-se o círculo e escapava-se o tempo. À noitinha, tinhas novidades felizes na voz, não te cansavas de enumerar as qualidades da tua nova casa, o quarto com janela, o pátio… sobretudo o quarto com janela (parece ser agora um luxo em certos lugares) …Tinhas um quarto com janela numa casa bonita bem situada, a dois passos de um cinema e de três linhas de metro e eras dona do mundo inteiro. Era noite e estavas longe, mas falavas como se nos pudéssemos abraçar e estavas feliz, porque tinhas encontrado, depois de tantos passos, tantas horas, tanto desencanto, um quarto com janela…e querias partilhar essa janela que te fazia tão feliz… Chegou então a hora do descanso, pudeste dormir, sem horas marcadas, com o coração leve e, de manhã, sair para a rua, apenas a passear na cidade que vai passar a ser a tua cidade no novo ano. Já com convites para sair “de copas” e para jantar com amigos recentes…
Não tarda nada, regressas de avião, para tratar de alguns assuntos ainda pendentes e para as festas de Natal connosco, com os avós e tias e tios e primo, desta vez cão incluído na lista…
Eu, depois de ter palmilhado, a teu lado, invisível, as ruas que desconheço numa cidade nova, fico, como sempre, à tua espera, que quero saber pormenores da tua janela do quarto…
Até logo, minha Princesa!

5 comments:

Jorge P. Guedes said...

Uma bonita carta de amizade, a provar que nem sempre a distância afasta...enquanto houver um quarto com janela.

um abraço
Jorge G.

Kaotica said...

Como não sei se voltarás ao Conto Livre, deixo aqui o meu agradecimento pela visita. Se tiveres algum conto original que queiras lá colocar já sabes que é um espaço livre e aberto à participação.
Já que aqui vim, e gostei, vou comentar: esta é realmente uma mensagem de amor e de liberdade de quem quer bem, de quem sabe como é importante viver e deixar viver, de que a verdadeira amizade não procura prender mas antes libertar. Assim ela sabe que pode sempre contar com o teu apoio e que mesmo à distância estarás sempre presente.
Abraço!

A Professorinha said...

A distância nunca acaba com a verdadeira amizade. Essa mantém-se sempre, não importa o que aconteça...

Beijos

Kaotica said...

Olá, sou eu outra vez. Vi que foste lá ao Conto Livre e ficaste a matutar na ideia de colaborares com a gente. É assim: quando lá quiseres pôr um conto eu envio-te um convite pelo blogger, como fiz com o resto da equipa, e depois já ficas com o acesso para postares. Pensa nisso que aquele blog precisa de movimento e diversidade.
Boa semana.
Bjos

Gotinha said...

Olá Renda
Venho agradecer os versos que me dedicaste!!
Já os inseri no post.
É uma honra para mim.
Obrigada!!
:-)