Sunday, January 07, 2007

Passeio-relâmpago








Na cidade-fantasma, o nevoeiro infiltrou-se em todas as frinchas das casas e das árvores, adensou-se sobre o chão e escorregou pelas lajes de pedra. Estavam isolados havia quatro dias. Isolados não queria dizer impedidos de sair ou entrar na cidade. Simplesmente, significava que não tinham acesso à luz do dia, para já não dizer , ao brilho do sol. Só viam as casas, se estivessem a um palmo das paredes e chocavam com as pessoas enfiadas nos seus agasalhos escuros, em becos perpendiculares e paralelos ao Corgo, que não se vislumbrava, mas se pressentia correr ao fundo da ravina.


Sufocados por esse sentimento impotente de escuridão, foi, com alívio, que saímos, quase em fuga, do nevoeiro e da chuva que caiu de novo pela manhã. Em busca do sol, de horizontes abertos em socalcos magníficos, obra sempre surpreendente da força e vontade de mulheres e homens fora do comum, entre os quais se contam muitos dos nossos antepassados, alguns imigrantes oriundos do então reino da Galiza, especializados na arte de surribar as vinhas. Em busca do Douro, das paisagens espelhadas nas suas águas, com as casinhas e quintas tremeluzentes da dança da corrente, um barco rabelo fundeado em simetria e uma cidade inteira mergulhada, de pernas para o ar.



Almoço da região, a evocar o arroz do forno da nossa Avó – nunca nenhum se comparará algum dia ao dela, porque lhes falta a azáfama da véspera, e, no dia, o acender do forno, como se de um ritual religioso se tratasse com rezas e tudo, o “meter” os alguidares no forno, tapá-los muito tapadinhos e , depois, sair de lá, qual milagre de alquimia, um arroz soltinho, de sabor e textura inesquecível e as batatinhas e o anho, cheios de cores e paladares inebriantes… - com ementa matraqueada numa velha máquina de escrever, com cópias (!!!) a papel químico (!!!)…

E o Douro ali tão perto. E as nossas raízes!

1 comment:

Jorge P. Guedes said...

Ah, os velhos rituais dos comeres de aldeia...que bonitos são!

um bjnh.

Jorge G