Sunday, February 21, 2010

Cartas de amor

acende a lareira
aquece-me o coração de chuva
o comboio partiu dentro do horário
não sei em que dia de tempestade
esqueci-me de virar a folha do calendário
perdi o relógio, a hora, a sanidade
fiquei a arder nesta fogueira
de chama e sombra escura...

escrevo sem paragem
o tempo voltou atrás sem pressa nem vagar
anda desorientado em cartas dispersas de amor
nem sei se fui eu que as escrevi
de tanto tempo fugido e esquecido
aquela mulher não era eu na voragem
da paixão e da ausência num patamar
de outras vidas sem flores e sem cor
nem eras tu devo ter sonhado ou descrevi
esse ser e não ser sem nenhum sentido
só para constar de um romance desvairado
que não pode ter existido.

essas folhas de papel quadriculado
não fui eu que as escrevi
a caligrafia não é minha
nem é minha a vida dessas cartas
são papéis de um armário desarrumado
que encontrei em tempos e onde vi
a confusão romântica de gratas
memórias que a distância vai
embelezando ou destruindo
até ao esquecimento.

a chuva, não te esqueças da chuva
e acende a lareira
nem te esqueças dos papéis
lá no fundo do armário
vira a folha do calendário
e acende a lareira
trago o coração de chuva
muito frio
acende a lareira
o comboio já partiu
ficámos os dois com as velhas cartas nas mãos
lê essas cartas não são tuas nem minhas
são um romance antigo dos nossos avós
não te prendas
podes ficar preso nas malhas das palavras
e, se não voltas, fico para sempre à tua espera
à espera que acendas
outra vez este fogo
em dia de chuva...

ouves a música?
é a chuva ou o teu coração?
o meu não é, há muito que não sei dele!

acende a lareira...

2 comments:

gaivota said...

sim, sim, mas acende a lareiraaaaaaaaa
lindo poema!
beijinhos

Duarte said...

Lareira, chuva, poças, frio, arrepios, vento que faz a barba sem navalha... quantas recordações fizeste aflorar à minha mente...

Bonito!!!

Um forte abraço... emocionado