Monday, October 22, 2012

O meu Pai.

O meu Pai tem oitenta e nove anos.
O meu Pai está velhinho.
Anda devagar com medo de cair.
Com medo.
Bem-humorado. A rir.
Histórias dentro da História da sua vida.
Sempre com mais um pormenor.
Com mais um matiz. Mais uma graça.
Mesmo nos momentos mais heróicos.
Ou menos. Ou mais tristes. Ou felizes.
Ou nem tanto.
Uma gargalhada não contida.
Anda ainda à procura da felicidade.
Agora diz que não sabe o que é.
Onde se procura. Quando. É feliz agora.
E depois? E ontem? Afinal é só um momento?
Ou uma fantasia? Ou um paradoxal tormento?
Está preso a si próprio. Escreve para escapar.
Comove-se.
O meu Pai continua todo janota.
Com gosto especial por gravatas. Azuis.
E com gosto por boa comida.
(Só bebe água quem apreciava o bom vinho.
Às vezes, permite-se uma cerveja sem álcool.)
E por boas companhias.
Pela nossa companhia.
E por palavras. O meu Pai gosta de palavras.
Um dia, as filhas escreveram-lhe um livro da sua vida.
Ficou emocionado, enterneceu-se.
Com a veleidade das raparigas
de quererem meter uma vida
tão cheia de grandeza numa meia dúzia de páginas.
O meu Pai transporta no seu corpo a geografia
da terra onde nasceu
das terras que percorreu
no seu sangue os mares e os rios que viveu
e na sua alma os sonhos por sonhar.





Sunday, October 21, 2012

Devaneios

Entrou a noite,
caminhou a noite por si dentro,
eu fico à tua espera.

Dou voltas nos corredores,
dou voltas na cama,
continuo à tua espera.

Espreito à janela,
vou à varanda,
apagou-se a luz dos candeeiros
(agora, à meia-noite em ponto
fica ainda mais noite)
a noite anoiteceu de tão escura.
Ainda estou à tua espera.

Ao amanhecer
voltará a luz
e com ela a lucidez:
espero uma quimera.