Wednesday, September 28, 2011

Dantes, também escrevia cartas assim
a pôr pontos nos is
a gastar-me de mim
a desgastar-me
a desgostar-me.

Agora, fecho os olhos à mágoa
ouço os pássaros, sinto a leveza
das asas espanejando no ar
e a água
do lago a borboletear baixinho
canções de amores.

Pela manhã, ando à procura,
procuro o caminho das rosas,
pressentindo que já partiram
rumo à primavera seguinte.

Encontro gotas de chuva...

... ainda há rosas no parque.



Friday, September 16, 2011

Insónia

o sono anda vadio
foge de si próprio

vê a madrugada
subtil e espantada
e revolve os lençóis

procura o sossego
o melhor soneto
e dói a pele, a carne

escolhe entre escolhos
algas aos molhos
na espuma dos mares

sobem suores frios
na noite, arrepios
de febres e insónias

o sono anda vadio
foge de si próprio.



Tuesday, September 06, 2011

Vidas

a neta
sem certeza era a neta
acompanha o avô
deixa-o à entrada,
em passadas trôpegas
seguras
compra o jornal
dirige-se a uma mesa
senta-se de óculos grossos
e lupa
lentamente como quem mede
cada gesto como quem pensa
cada segundo
estende a mão, hesita, segue,
pára, segue, puxa o jornal
como quem viu passar depressa
o passado e quer agora
segurar um pouco mais o tempo,
pressente o café na chávena.

O comboio parte. São dez e quarenta.