Monday, October 27, 2008

Mudam-se tempos e ventos




















Uma vez era um ninho de amor e vida;






outro tempo, a noite chegou, escondida,






os homens desertaram, as aves fugiram;







dia a dia, as paredes murcharam e caíram







como folhas mortas num outono triste;







em cada pedra seca, o velho umbral,







à entrada da antiga porta, resiste;







o céu acomodou-se a esta moldura







improvisada, terna e intemporal;







passaram tempos e marés,







veio o império soberbo do betão,






arrancou árvores, tapou o sol,






escondeu o azul, cortou o coração:






e, agora, ao passar o umbral pasmado






daquela antiga porta, a parede crua






roubou a alma do lugar e do passado;






descubro, ainda alta, no azul-noite, a lua!





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Friday, October 24, 2008

Palavras soltas à volta de um castanheiro


vendaval de desesperança
bonança
limpidez do ser
céu azul
nas entrelinhas tresler
linha perpétua
desesperada a régua
no horizonte longínquo
rosa oblíquo
sem chegada sem partida
despida
viagem adiada
palavra nada inspirada
desfeita em acrónimo
de despoeta anónimo
no castanheiro
o primício
ouriço
inteiro
inflecte
reflecte
cai ou não
introspecção…

Monday, October 20, 2008

Passeio





Havia uma oliveira:


entre os troncos antigos


alguém ouvia ainda

o som saudoso


da brincadeira


das crianças...


Sunday, October 12, 2008

Meu país desgraçado... - Sebastião da Gama

Meu país desgraçado!...
e no entanto há Sol a cada canto
e não há mar tão lindo noutro lado.
Nem há céu mais alegre do que o nosso,
Nem pássaros, nem águas…

Meu país desgraçado!...
Por que fatal engano?
Que malévolos crimes
teus direitos de berço violaram?

Meu Povo
de cabeça pendida,
mãos caídas,de olhos sem fé
- busca, dentro de ti, fora de ti, aonde
a causa da miséria se te esconde.

E em nome dos direitos
que te deram a terra, o Sol, o Mar,
fere-a sem dó
com o lume do teu antigo olhar.

Alevanta-te, Povo!
Ah!, visses tu, nos olhos das mulheres,
a calada censura
que te reclamam filhos mais robustos!

Povo anémico e triste,
meu Pedro Sem forças, sem haveres!
- olha a censura muda das mulheres!
Vai-te de novo ao Mar!
Reganha tuas barcas, tuas forças
e o direito de amar e fecundar
as que só por Amor te não desprezam!


( hoje excepcionalmente, a voz ao poeta/professor de afectos/amante da vida... porque sim!)

Wednesday, October 08, 2008

Quando falta o chão...

Eras o esteio:
a morte sobreveio
dura
numa loucura
de outros
na estrada
molhada,
na ponte,
a alegria
estagnou.

Tomou
o teu lugar
o teu coração
a serenidade
do teu irmão.

Hoje faltou
o nosso chão!

Wednesday, October 01, 2008

A noite chegou mais cedo hoje!

No limiar da noite
adormeceu a tarde
na linha do horizonte
rosa-pálido ...

A noite chegou
mais cedo hoje
- ou foi ontem?
terá ocorrido
no ano passado?
não sei já,
o tempo corre
tão rápido
que o meu relógio
transtornado
não lhe segue o passo!

A noite chegou
mais cedo hoje
- ou foi a manhã?
não sei já,
ainda esta tarde
era criança
e brincava na praia
com a minha irmã
e esta noite
foge o sol,
secam as folhas
amarelecem as vidas,
perde-se a seiva...

A noite chega
cada vez mais cedo
num céu adamascado
de azul e rosa...
Espreitam os lobos
à espera da hora,
vão os javalis
beber a desoras,
estalam as folhas
sem energia,
os ouriços
engrossam
nos ramos
dos velhíssimos
castanheiros,
espinhosos
imitando sem jeito
certas rosas...

A noite chega
cada vez mais cedo
à hora do repouso
dos pássaros,
bate o coração
célere e louco
ao cruzar os caminhos
no lugar das alminhas:
um ramo de cravos frescos
enrolados na cruz...
e no cruzamento
pelo lusco-fusco
as almas penadas
desencaminhadas
procuram as rezas
no limiar da noite
em que a tarde
adormece
na linha do horizonte
rosa-pálido!